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Publicado em 06/12/2021

Caroliny Barbosa e Marcela Ioli

Benefício da meia-entrada e a ameaça à sua sobrevivência

Projeto de lei vetado pelo governador em exercício ainda apresenta riscos aos direitos estudantis.

Contrariando o direito constitucional da lei 12.933/13, que assegura o benefício de meia-entrada aos estudantes, no dia 27 de outubro foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) o projeto de lei que prevê o fim do benefício para grupos específicos em atividades culturais no Estado. Proposto pelo deputado estadual Arthur do Val (Patriota), o PL300/2020 tem como objetivo facilitar a realização de eventos pelo setor de entretenimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conquistado na década de 1940 pela União Nacional dos Estudantes (UNE), o benefício tinha como finalidade complementar a formação acadêmica dos alunos. Durante o período da ditadura no Brasil (1964-1985), essas instituições estudantis passaram a ser ameaçadas pelo regime e as carteirinhas sofreram a perda da legitimidade.

Com a reformulação dessas entidades, o movimento discente começou a restabelecer sua força, garantindo que esse benefício fosse assegurado por lei e que o documento passasse a ser emitido por um órgão de reconhecimento nacional, como a Federação Nacional dos Estudantes (FNEL).

Em entrevista ao Portal Acadêmico, Arthur do Val declarou que nunca viu sentido na obrigatoriedade de oferecer meia-entrada e que o Estado não pode decidir como um produto deve ser vendido. Segundo ele, a motivação da proposta foram os pedidos das lideranças do setor, já que eles afirmam que essa política dificulta a realização de eventos culturais. 

“A matemática é simples, se um empresário promove uma sessão de cinema e seus custos são de R$900,00 para 100 cadeiras, ele naturalmente iria cobrar R$10,00 por entrada, assim o faturamento seria de R$1.000,00. O que acontece hoje? Esse empresário é obrigado a oferecer meia-entrada para a maior parte do público, o que leva ao encarecimento do ingresso para cobrir o prejuízo. Se todos pagarem meia, o cálculo derruba o valor real da entrada”, disse o deputado sobre suas previsões acerca do fim do benefício em relação ao impacto econômico.

Dois deputados e dois posicionamentos

Logo após a aprovação do projeto pelo órgão do poder legislativo, um grande questionamento teve início nas redes sociais: como esse projeto conseguiria tornar democrática a frequentação desses eventos por estudantes em situação de vulnerabilidade econômica e como isso afetaria suas vidas?

Quando indagado a respeito dos mais de 4 milhões de alunos matriculados em escolas da rede estadual de ensino paulista que seriam diretamente afetados, caso os reajustes das tarifas ficassem a cargo do setor de eventos, Arthur alegou que o mercado se adapta às interferências do Estado, e o que se chama hoje de “preço total” da entrada é, na verdade, o dobro do valor real, que é a meia-entrada. Segundo ele, o projeto determina meia-entrada universal, de modo que esses alunos continuariam pagando o valor real.

Oposta a esse posicionamento, a deputada Isa Penna (Psol) descreve a proposta como inviável, porque mesmo que, em teoria, o projeto garantisse que os valores de entradas inteiras diminuíssem, na prática isso não aconteceria e, mais uma vez, os menos favorecidos seriam vetados de um direito constitucional. Ela pontua também ser um absurdo projetos como esse estarem em pauta em meio a uma das maiores crises econômicas da história do país. 

 

 

Com sua extrema importância, a garantia de acesso à cultura tem o poder de desenvolver o cidadão, pois a educação vai muito além da sala de aula. Retirar o benefício da meia-entrada significa privar os jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social do mínimo que a vida, já difícil, pode proporcionar de conhecimento em forma de entretenimento, aumentando cada vez mais a desigualdade, quando comparada aos privilégios que a classe média desfruta. 

Isa Penna destacou que a educação e a cultura são campos correlatos, e qualquer influência em um deles, positiva ou negativa, afeta diretamente o outro. “Privar jovens e estudantes do benefício é uma forma de podar culturalmente esse público. Sabemos das dificuldades que a educação enfrenta no Brasil e colocar mais um empecilho no acesso às atividades culturais é um ataque direto à juventude”, afirmou a deputada.

A democratização do acesso à cultura transforma realidades

Aluna do segundo ano do ensino médio na rede estadual de ensino de São Paulo, Paloma Alves, revelou ter tido a possibilidade de frequentar eventos como peças teatrais, cinemas e parques com a ajuda da meia-entrada. A estudante reforça o impacto que a cultura e educação têm no desenvolvimento do cidadão, afirmando que "a arte e a cultura são uma das coisas que todos nós acho que deveríamos ter, porque dá um entendimento de mundo mais amplo e o poder de compreender melhor a vida”. 

Assim como Paloma, Gustavo Henrique Pedroso Bispo dos Santos, estudante do terceiro ano do ensino médio, contou que o benefício já propiciou que ele vivenciasse novas experiências culturais e que em diversas vezes foi a cinemas e museus com o dinheiro contado, e só conseguiu pagar porque era a metade do preço integral.

Gustavo tocou num ponto crucial: a falta de oportunidade para os moradores de periferias. Ele, como morador da periferia da zona norte, relatou que não conhecia muitos pontos de São Paulo, que para Gustavo eram só coisas de televisão, de inimaginável acesso. “Eu não tinha muitos sonhos e vivia já pensando que no ensino médio eu ia poder trabalhar, mas aí em 2015 eu entrei no teatro e lá a minha cabeça ampliou”. Ele afirmou que a democratização do acesso à cultura passa por políticas públicas que não são mero assistencialismo.

 

O setor cultural se posiciona

O setor cultural também é central nas discussões sobre o projeto, já que seria diretamente afetado caso o PL300 fosse implementado. Ao ser questionado sobre o possível impacto na área, o diretor-curador do museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, afirmou que haveria efeitos consideráveis, principalmente em relação ao público de perfil universitário ainda não inserido no mercado de trabalho, que frequentam o espaço por intermédio do benefício. Contudo, Emanoel destacou que no caso do museu, grande parte do público jovem que acessa o equipamento é via escolas, ou seja, não pagam para entrar no museu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portanto, essa pode ser uma alternativa para contornar um provável reajuste de preços. Caso os estudantes se organizem em grupo para visita através de uma instituição de ensino, é possível acessar gratuitamente o museu. Essa possibilidade de acesso à instituição é um aspecto que, segundo o diretor, não permite que o impacto seja tão profundo quanto em outros setores culturais.

Em síntese, o diretor-curador declarou que o Museu Afro Brasil se posiciona favorável à meia-entrada, já que o benefício possibilita uma maior acessibilidade aos eventos e o objetivo da instituição é atender o máximo de pessoas possível, independentemente de sua condição financeira.

O futuro do projeto

O projeto foi vetado integralmente pelo governador em exercício de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), com a justificativa de que a proposta “mostra-se incompatível com as normas gerais expedidas pela União”. Por ora, o projeto encontra-se no status de reentrada na Comissão de Constituição, Justiça e Redação para avaliação do veto pelos deputados. 

Caso o veto seja derrubado, o PL300/2020 seria implementado no Estado de São Paulo, atribuindo a cobrança das entradas ao setor de eventos, o que poderia colocar a democratização do acesso à arte e cultura em xeque, já que a interferência do Estado nesses eventos seria impraticável. 

Tendo em vista que a proposta ainda é considerada uma ameaça, a atenção da comunidade estudantil precisa estar completamente voltada para o seu andamento, não permitindo que outro retrocesso, como o que ocorreu na época da ditadura, volte a limitar a educação paulista.

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Alesp por Marcela Ioli

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Japan House por Caroliny Barbosa

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Acervo da assessoria do Museu Afro Brasil

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