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Publicado em 06/12/2021
Laila dos Santos e Thalita Nunes
A ditadura da moda e seus efeitos nas mulheres

Foto: Adobe Stock
A indústria da moda tem ditado os padrões de beleza durante anos para sociedade, mas a fim de entender os motivos que incentivaram ela a ter um papel de influência na atualidade, é essencial voltar na história.
O conceito de moda surgiu no final da Idade Média e início do Renascimento. A aproximação de classes mais populares com a corte estimularam um desejo de pertencimento, em que os comerciantes enriquecidos passaram a imitar as vestimentas dos nobres. Percebe-se então que a roupa sempre foi capaz de refletir um gosto, identificando até mesmo camadas sociais e retratando de certa forma o desenvolvimento econômico e cultural. Logo, a moda não diz respeito apenas ao modo de se vestir mas também mostra-se como uma forma de expressão.
Agora, esse campo da indústria tornou-se um tópico ainda mais importante tanto no setor econômico como a nível social, uma vez que representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT). Do ponto de vista social, no que refere-se ao conceito de beleza a influência da moda permanece ditando regras para a sociedade e ressaltando os padrões estéticos a serem seguidos. Mulheres belas devem possuir corpos definidos ou magros, usar as cirurgias em seu favor, além de tratamentos estéticos e dietas malucas para evidenciar a feminilidade.
Essa pressão imposta na sociedade para parecer-se bem e encaixar-se dentro do que é considerado belo, acaba gerando diferentes tipos de sofrimento nas mulheres. Uma pesquisa realizada entre maio e junho de 2020 pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, revelou que mulheres afetadas psicologicamente apresentam cerca de 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. Dessa forma, fica evidente que aquelas consideradas fora dos padrões já determinados, veem-se em uma posição complicada e dão início a uma corrida contra o tempo em busca de atingir esses modelos irreais de estética, causando consequências negativas em sua própria saúde.
Porém a moda sozinha não é o único fator capaz de impactar as mulheres. Na atualidade os avanços tecnológicos e as mídias digitais transformaram a forma com que nos comunicamos e reinventaram o modo que as empresas exibem seus produtos, inserindo aos poucos uma cultura imediatista na sociedade, em que consumir não significa só uma necessidade e sim um desejo. À vista disso, as figuras públicas que surgem hoje em dia com poder de influência nas redes sociais, são sinônimo de dinheiro.
As marcas de moda desenvolveram-se ainda mais dentro desse contexto e construíram veículos de divulgação eficazes, dispondo também das mídias digitais como uma forma de negócio para mostrar sua potência fashion, usando a publicidade para transformar simples posts em vendas e sempre acompanhadas de figuras capazes de reforçar o estilo da indústria da moda.
Um artigo publicado pela revista literária estadunidense The Atlantic suspeita que os adolescentes de hoje sejam emocionalmente mais vulneráveis devido à exposição anormal à internet. Estudos apontam que 90% das jovens não estão satisfeitas com seu próprio corpo, isso em uma era em que são carregadas cerca de 10 milhões de novas fotos a cada hora apenas no Facebook. Esses fatores causam um impacto tão grande na saúde mental das mulheres que foi identificado que a mídia social está por trás do aumento de jovens que procuram por procedimentos estéticos com a finalidade de aparecer melhor nas fotografias.
Diante dessas questões, Silmara da Silva Bahia, que é especialista em Neuropsicologia e em Suicidologia, e atualmente trabalha como psicóloga clínica, falou sobre as consequências psicológicas dos padrões na saúde mental das mulheres.
Confira a seguir um trecho da entrevista:
Em primeiro lugar, sendo uma profissional responsável pelo auxílio da saúde psicológica, gostaria que você explicasse a importância da saúde mental para o bem-estar dos indivíduos?
"Como profissional de saúde, percebo que o cuidado que precisamos ter com a nossa mente e cognição é essencial para o enfrentamento das situações do dia a dia. Muitas vezes em frente a conflitos internos e externos temos a necessidade de expressar como nos sentimos. A expressão de forma assertiva é essencial para a manutenção do bem-estar do indivíduo. A prática de promoção e prevenção na saúde mental faz com que a gente consiga lidar melhor com as adversidades do dia a dia, portanto é importante para que a gente viva tanto de forma individual como coletiva."
Atualmente vivemos uma cultura imediatista, em que as mídias digitais estão constantemente bombardeando as pessoas com informações. Tornou-se habitual propagandas de “como perder peso mais rápido com jejum intermitente”. Quais são os impactos que esses padrões construídos socialmente causam na saúde hoje em dia?
"Culturalmente já tivemos diversos padrões estéticos, onde corpos de diversas formas já foram cultuados. Porém, atualmente o corpo magro, sarado e bem definido é o que mais se destaca, taxando quem não esteja dentro desse padrão como sendo imperfeito, errado, diferente (de forma pejorativa) e isto reflete muito no emocional. O indivíduo pessoa a se perceber como excluído, sai à procura de fórmulas que o façam alcançar o “corpo perfeito”. Cada pessoa tem um corpo, um metabolismo diferente, uma genética e um tempo de prática de exercícios e de alimentação saudável. Ou seja, nem todo mundo tem acesso aos mesmos recursos, porém quem acessa esse tipo de conteúdo se vê como sendo incapaz e tenta se adequar a esses padrões. Resultando em vários tipos de adoecimento físicos e mentais como: anorexia, bulimia, transtornos de humor e de personalidade."
Para você, quais os fatores que podem ter mais influência sobre os desejos estéticos do paciente?
"Na maioria das vezes a realização de um procedimento estético está relacionado a julgamentos externos, ou seja, de terceiros, familiares, amigos, entre outros. Pode haver o histórico de sofrer pressões sociais de que seu corpo é magro ou gordo demais, tem excessos ou falta gordura em algum lugar, fazendo com que a pessoa sempre se sinta fora do ideal, o que de fato as cobranças sociais influenciam bastante e de forma negativa."
Silmara, como as doenças psicológicas podem afetar a vida das mulheres em um país no qual os padrões de beleza são distantes da realidade e a sociedade do consumo é incentivada pela mídia?
"Os transtornos psicológicos estão muito relacionados à sociedade do consumo atual, pois há diversos questionamentos individuais sobre a própria capacidade de alcançar padrões tão cultuados e disseminados pela mídia. Havendo a dificuldade de perceber e atribuir sua realidade como um fator diretamente relacionado a sua estética e consumo. Resultando em mais adoecimento mental e aumento de sentimentos como: desânimo, frustração, baixa autoestima, desmotivação, ansiedade, entre outros. A forma com que os padrões estéticos e de consumo são disseminados, estimula a expectativa de conseguir o inalcançável."
Existe algum tipo de tratamento para pessoas que são viciadas em cirurgias plásticas e obstinadas a alcançar a perfeição?
"Tratamento para qualquer vício existe, até mesmo para procedimentos estéticos. Normalmente os excessos desses procedimentos atribuem-se a uma percepção disforme do próprio corpo, se empenhando em mudanças estéticas em busca de um corpo perfeito. Há a necessidade de enxergar o quão prejudicial a sua saúde esse excesso pode ser, o que muitas vezes acontece de forma tardia. É necessário o auxílio da família e amigos para pontuar essa realidade e estimular o cuidado da saúde mental."
Considerando a importância da indústria da moda na atualidade, você acha possível driblar as pressões estéticas impostas por ela? Utilizar o poder da moda como um aliado na autoestima?
"Com certeza! É possível driblar as pressões estéticas e o próprio mundo da moda permite essa possibilidade, ao incentivar a quebra de paradigmas, por exemplo, abrindo acesso para os diversos corpos. A moda pode estimular o indivíduo a se mostrar e empoderar, vestindo suas preferências e valorizando seus corpos, permitindo que as tendências adentrem a realidade das mulheres. Para tanto é importante que as pessoas sejam fortalecidas, estimuladas a olharem para si e respeitadas para que se expressem sem medo de julgamentos."
Conforme a psicóloga Silmara constatou, é importante que as mulheres se fortaleçam em meio a toda essa cultura disseminada nos dias de hoje. Em uma carta escrita por Clarice Lispector direcionada a sua irmã, ela aconselha: “...respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.”